Programa N.º 11 [06/OUT/2010]

| 0 comentários



Capítulo 1: A persistência da horizontalidade

Após longas horas, ainda aqui me encontro, entregue ao abandono desta silenciosa solidão.

O meu pensar imobilizou-me de novo neste quarto, nesta cama.

Já se passaram tantos dias, ou talvez séculos, desde voltei a acordar neste quarto, do qual parti em busca de algo que nem bem o seria e, no entanto, regressei ao ponto de partida.

Não sei mais o que fazer ou o que procurar. Começo a pensar que talvez seja melhor voltar a viver dormido, de olhos bem abertos.

Triste pensar, mas o incondicionalismo das minhas limitações enquanto simples transeunte não me permitem mais.

Vou voltar àquele jardim, sob as linhas do velho eléctrico. Talvez os floridos fitomorfos e forte luz que o encaminha me reactive algo que levo adormecido.



Capítulo 2: A viagem (parte 1)

A viagem faz-se longa. Coloco um pé diante do outro apenas para não me entregar de novo à imobilidade.

Sei que viajo em vão. Lá nada vai haver.

Volto a sentir a triste angústia em ter pensamentos labirínticos e espirais.

Creio ter perdido de novo a vontade de continuar na Cidade Invisível.



Capítulo 3: A viagem (parte 2)

Já cheguei ao jardim que vos falei.

Aqueles coloridos fitomorfos que visitei na minha primeira viagem estão ainda mais coloridos.

A sua caminhada em direcção à luz, embalados por um ténue fio de água, está cada vez mais próxima do final.

Não é a ausência da razão impedimento para fazer aquilo que a nossa a tanto nos obriga.

Procuram algo mais claro, mais simples, onde os tons não são mera ambivalência.

No entanto, a sua metodologia para o conseguir faz-nos tapar, a nós transeuntes, a cara de vergonha.

Talvez seja tempo de incapacitar a vontade e ceder à indiferença.



Capítulo 4: Retorno à horizontalidade

Vou colocar a minha face directamente sobre aquele raio que miraculosamente trespassa o amontoado de ferro enegrecido e ousa incidir sobre a Cidade Invisível.

A luz é demasiadamente forte. Obriga-me a fechar os olhos como há muito não os fechava.

Estranha sensação. Agora que reparo, há já muito que não fechava os olhos. Isto traz-me demasiadas recordações. É quase que regressar aos longos anos que levei dormidos de olhos bem abertos.

Mas, não pode ser. Está tudo trocado. Como posso eu viver esta desprezível recordação quando, na realidade, tenho os olhos mais fechados que nunca?

É melhor sair daqui e volta-los a abrir.

Estou algo intrigado. Parece que esta Cidade nada mais é que um volátil éter, ao qual regressei, mas que dele posso desaparecer novamente a qualquer instante.

Aqui, não há espaço para luz. Nem cores. Aqui, só o negro cáustico faz sentido. É a ele que me devo prestar.



Capítulo 5: Recomeçar

Já abandonei aquele jardim. Caminho a passos largos em direcção a casa, novamente.

Sinto uma enorme necessidade em descobrir esta paradigmática sensação que é fechar bem os olhos e sentir e sentir que estou a dormir.

Só a mais distante e mirabolante lenda seria capaz de contar semelhante hebetismo. Não conheço ou concebo a ideia de o Homem dormir de olhos fechados.

Agora que me recordo, pairam histórias por esta cidade que em tempos idos, que o virar dos milénios tenderam em ocultar, os nossos semelhantes viviam acordados de olhos bem abertos.

Triste ideia. Mas não descuro.

Vou até casa, sentar-me. Vou pensar nesta ideia, fechar bem os olhos.

Vou tentar entregar-me de novo a algo que tanto repudiei.

Sentir de novo o viver adormecido de olhos bem abertos. Mas, desta vez, acontecerá o contrário. Dormir de olhos fechados. Processo raro, mas que tanto se assoma à minha vontade e curiosidade.

Nada temo, pois, no máximo, regressarei àquele lugar onde durante vários séculos me entreguei ao negro devolutismo em tons dormentes.



Playlist:

Kammerflimmer Kollektief - In Transition (Version) [Wilding, 2010]
Sigur Rós - Hafsól [Von, 1997]
Conrad Schnitzler - Electric Garden [Con, 1978]
Vangelis - Blade Runner Blues [Blade Runner OST, 1982]
Lubomyr Melnyk - The Voice of Trees 3 [The Voice of Trees, 1985]

0 comentários: