Programa N.º 12 [13/OUT/2010]

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Capítulo 1: A última viagem

Fechem os olhos e sejam novamente bem-vindos à Cidade Invisível.

Uma cidade, onde as suas ruas e becos, amontoados de abandono, são percorridos por personagens anónimos.

Já me decidi.

Vou sair desta Cidade Invisível. Vou voltar àquilo que tanto repudio.

Não faz sentido estar aqui.

Aquele estranha semelhante, pela qual tanto viajei, e da qual me chegaram aos ouvidos palavras aparentemente conhecedoras de razão não me serviram de nada.

Estou exausto de tanto procurar a adormecida Providência. Estou farto de conhecer sensações descontextualizadas e ambivalentes.

Já nada faz sentido. Vou sair deste quarto. Vou de novo ao encontro daquele miraculoso raio de luz do esquecido jardim.

Mas, desta vez, não vou ceder. Vou deixar toda a luz imobilizar-me as pálpebras, continuar na senda do desconhecido, rumo ao acordar e viver dormido de olhos bem abertos.




Capítulo 2: A última viagem

Esta viagem, esta rotina.

Estou sempre a revisitar os mesmos sítios. Caminho em espirais do nada. Incertezas... Revisitações a sítios que nada são.

Que ódio me dá este triste incondicionalismo em me identificar com ignóbeis caricaturas do belo.

As minhas caminhadas já nada mais são que imposições do fatal destino que bem sei que urge.

Já não faz sentido sequer descrever os meus movimentos, Seriam capazes de adormecer a eternidade.

Entretanto já cheguei junto daquela luz que tanto vos falo e massacro o pensar.

Mas, desta vez, o propósito será outro.

Vou-me entregar resolutamente ao desconhecido. Vou fechar os olhos como nunca. Ansiar voltar a viver adormecido.

Mas já basta de panaceias líricas. Vou fazê-lo.





Capítulo 3: A última viagem (2)

Nada. Estou aqui de olhos fechados como nunca e nada acontece.

Não sei mais que fazer.

O que estará errado? Que fiz da outra vez que agora não resulta.

Vou continuar aqui de pálpebras cerradas. Nada me fará recuar. Já não há nada que anseie mais que isto.





Capítulo 4: A última viagem (3)

Os ventos frios, vindos dos arrabaldes da Cidade Invisível, já se fazem sentir. A noite não tardará em cair. Digo noite, mas aqui é sempre de noite. No ver e no sentir.

Excepto para raras excepções, como este pequeno raio de luz natural que ousa penetrar por entre emaranhados de ferros retorcidos e permanecer neste éter inútil.

Mas... Continuo na mesma. Ou isso penso, pois ainda não abri os olhos. Aliás, cada vez os fecho mais.

Não há maneira de voltar a sentir aquela estranha sensação.

Se calhar não basta fechar os olhos, é necessário também adormecer. Recurso extremo e pecaminoso.

Mas não interessa. Aqui, nada justifica o acreditar justo. Mais, o justo aqui é mais ambíguo que a ténue linha que separa o dormir e o estar acordado.

Vou-me deitar e, finamente dormir.

Não entendo. Tanto fiz para voltar a esta cidade e, agora, tudo faço para dela partir.

Somos mesmo assim, buscamos algo que não sabemos em sítios retomados que julgávamos não ter esquecido.

É o despedir destas caminhadas pela Cidade Invisível. Nunca mais cá regressarei.

Parto com saudade de algo que nem cheguei a amar. Melhor, volto a partir de algo que pensava amar.

Entretanto, as pálpebras já cansadas da repetição obrigam-me a partir em viagem desconhecida.

Não a impeço. Vou-me deixar levar...





Capítulo 5: A adormecida Providência

Onde estou?

Acabei de acordar e mal consigo ver.

Tento olhar em meu redor mas a luz é tanta que os olhos voltam-se a fechar.

Creio ser causa da luz natural. Isso indica que já não estou na Cidade Invisível.

Já consigo ligeiramente os olhos. O suficiente para reconhecer o local onde me encontro.

É o local onde levei ano, ou talvez séculos dormidos de olhos bem abertos.

Mas, desta vez, não estou só no acordar.

Diante de mim, uma forma feminina, de longos cabelos negros, chama por mim.

Mas... Se é aquela estranha semelhante que encontrei na Cidade Invisível, que me fez percorrer os mais mirabolantes e inóspitos locais, em busca de um outro desígnio.

Olho para o seu rosto, olhar, desta vez, retribuído sem estranhas complicações, ao que acrescenta as palavras: “Respiraste a violação do dever pelos poros. Regressaste onde jaz a Providência adormecida”.

São as palavras que me tinha dito na Cidade Invisível.

Tanto busquei, que, afinal, não era lá que a encontraria.

Erro crasso o meu querer viver naquele éter inútil.

A partir de hoje, jamais regressarei lá. Nem sei porque busco no mais volátil e denso sonho, pintado em tons de falsídica felicidade eterna o meu desígnio.

Nada mais somos que ossos e carne. Não há nada para além disto. Nem a maior ilusão utópica do homem seria tão perfeita como o que o virar dos milénios criou.

Isto somos nós, o que todos os semelhantes quisemos. Um mundo tão perfeito como nós.

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