Programa n.º 4 [11/AGO/2010]

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Capítulo 1: Silêncios Mudos

Fechem os olhos e sejam novamente bem-vindos à Cidade Invisível.

É uma cidade, onde as suas ruas e becos, amontoados de abandono, são percorridos por personagens anónimos.

Acabei de me levantar neste imenso deserto, onde a deslocação do mais pequeno grão de areia seria capaz de aziumar a mais triste alma que paira neste éter inútil.

Parti em busca de uma forma de vida digna de substituir a minha eterna companheira, também chamada de solidão.

O certo é que estou perdido. Não sei que direcção tomar. Aqui não se ruma a Norte, nem a Nascente. A confusão deste vácuo espaço, onde a certeza do amanhã é coisa para sonhadores, todas as direcções confluem no triste desígnio do nada.

Mas vou começar a caminhar. Caminhar sem destino mas com propósito.

É hora de começar a minha viagem pela Cidade Invisível.



Capítulo 2: Vozes do Silêncio

Já estou farto de caminhar e não vejo nada.

São silêncios atrás de silêncios. Mudas linhas de horizonte. Mesmo que quisesse regressar à Cidade Invisível, seria incapaz de o fazer.

Não o digo por falta de vontade, mas sim porque já lhe perdi a conta aos passos errantes que dei desde que saí do velho eléctrico.

Calma, acho que oiço vozes no infinito sombrio que emana este deserto. Vou caminhar atrás delas.



Capítulo 3: Vozes do Silêncio

Já consigo avistar algo por entre as monumentais cortinas de pó. Parece-me algo com mais cor. Talvez verde. Vou-me aproximar.

À medida que me aproximo, tudo se torna mais calmo. O vento já não me faz companhia. Uma rasteira vegetação começa a preencher o piso por onde me desloco.

Ao fundo, erguem-se enormes paredes de arbustos. Ouvem-se quentes sons por detrás destes aglomerados de verde. Uma enorme sensação entre a calma e a extrema ânsia toma conta de mim.

O que será este estranho lugar? Vou-me aproximar.

Tudo em volta parece capaz de intimidar o maior perfeccionista. A simetria, aqui, engole por completo o acaso. As longas e apolíneas melodias tomam conta de todo o espaço. O tempo, que já nada importa, parece deslocar-se a uma velocidade capaz de entediar a longa persistência do Criador.

Claramente, este sítio em nada pertence à Cidade Invisível que deixei para trás.

Vou entrar. Mas antes, sentar-me-ei aqui uns minutos. Já há muito que não sentia um lugar assim.



Capítulo 4: Labirinto Espiral

Já transpus aqueles monumentais arbustos. Mas, para minha grande surpresa, o epicentro destes deleites melodiosos e paisagens mornas, está muito para lá desta primeira linha verde.

Agora que reparo bem, acabei de entrar num enorme labirinto. Será este emaranhado de caminhos confusos a muralha que protege aquilo que tanto procuro?

Será este a lar daquele misteriosa semelhante atrás da qual parti sem destino?

Vou começar a minha caminhada. Pode que me demore alguns por-de-sóis. Ou talvez vários séculos.

Mas não importa. Sinto que o que procuro estará para além destas muralhas de arbustos.

Afinal de contas, já há muito que parti daquela cidade, na qual, por força da triste ambiência de ignóbeis semelhante que acreditam no amanhã, me vi obrigado a partir.


Playlist

Thomas Neuhaus - The Bad Boys Were Prodding the Bear Through the Bars of the Cage (Ex Machina. Vol. 5, 2001 - Cybele)
Karlheinz Strockhausen - Klavierstücke XII (Klavierstücke XII-XIV, 1983 - Deutsche Grammophon)
Mile Davis - All Blues (Kind of Blue, 1959 - Columbia)
Terry Riley - A Rainbow in Curved Air (A Rainbow in Curved Air, 1969 - Columbia Masterworks)
Vómito Negro - Running Out Of Time (13 Incisões, 1989 - Facadas na Noite)

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