Programa n.º 5 [18/AGO/2010]

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Capítulo 1: Cruzamentos

Como vos prometi na última viagem, comecei a caminhar por este colossal labirinto, o qual me está a impossibilitar o contacto com aquela semelhante, está-me a cansar ou, talvez, a testar.

Desde a última vez que partilhei o meu pensar convosco, não parei de caminhar, de tentar encontrar o epicentro desde pecado em forma de imponentes arbustos verdes. Mas, por muito mais que o tente, não o dou conseguido. Julgo repetir sítios com maior frequência que o meu semelhante erra.

O cansaço é tanto que o desfalecimento já se ritmou de forma sincopada com a ânsia de continuar. Não há tempo nem espaço para estes caprichos físicos impostos pelo Criador.

Mas porque será esta senda do metafísico carnal tão complicada?

Não posso desistir, vou continuar a procurar o final deste labirinto.


Capítulo 2: Diagonais

Não posso mais. O cansaço é já tanto que me sinto capaz da mais cobarde rendição, que é abrir os olhos e deixar este mundo de falsificas expectativas sonhadoras.

Já estou farto disto! Não tenho porque me sujeitar ao caprichos da terrível e adormecida Providência, que há já muito que jaz no seu próprio reflexo.

Vou começar a desbravar estas clasutrofóbicas muralhas de vida inanimada. Vou directo ao que busco. Sempre em frente. É hora de me libertar das nauseabundas leis do Criador!


Capítulo 3: O reduto final

Mas, que é isto? Que impenetrável fortaleza de metal é esta? Não vejo janelas, não vejo portas. Aliás, não vejo qualquer tipo de vão que comunique com o exterior.

Poderosos e ensurdecedores ruídos provêem do interior. Como que um colossal lamúriro emitido do núcleo do planeta em forma de uma monumental sofridão.

Que se passará lá dentro? Ou melhor, será isto a cobertura de algo ou será isto algo por si mesmo. Nunca na minha parca vida os meus olhos me mostraram algo semelhante.

Oiço torções, como que um esmigalhar de putrefactos ossos humanos. Como que uma queda para um abismo que nem o virar dos milénios conhecerá o seu fim.

Melhor ainda, parece que aqui tudo nasce. Aliás, parece que tudo morre. Não sei. Se calhar é esta a fábrica de todo este tormento ao que o Criador nos condenou.

Sinto uma força mais forte que a vontade em saber o que acontece dentro deste volume metálico.

Ventos ciclónicos estilhaçam sonhos perdidos e vontades idas. Um negro mais horrendo que o próprio coração do Homem ofusca qualquer luz de insignificantes esperanças. A erva deste chão ondula de tal modo que nem a mais tenebrosa noite em alto-mar seria capaz de o intimidar.

Tento tocar neste volume mas não consigo. Um estranha e incerta sensação de frio glaciar e quente do deserto invade o meu corpo.

Mas vou resistir. Sei que lá dentro estará o desígnio desta fuga do coração da Cidade Invisível.

Tenho de resistir. Já cheguei longe de mais.



Capítulo 4: Mundo em transição

Calma, este caos todo que abraçava esta enorme estrutura metálica está a terminar.

Um fresca brisa vai ocupando o seu lugar. Um forte luz faz renascer o sítio. As tormentosas sonoridade são gradualmente substituídas por delicadas melodias.

Ouve-se um piano desafinado no seu interior. Mas tocado com inigualável delicadeza e bom gosto que transforma o errante martelar nas cordas tão perfeito e harmonioso como a mais correcta frequência.

Quem o tocará?

Com toda esta luz, consigo já distinguir por entre o amontoado de ferro uma pequena porta. Vou entrar!

Mas que vejo? Não há nada aqui dentro para além de um longo pavimento em virgem lajes de mármore branco. As paredes, prolongam-se na mais perfeita simetria, criando um vão cúbico onde o mais pequeno traço feito sem régua seria capaz de fazer vomitar o mais assimétrico dos meus semelhantes.

Numa das paredes existe uma moldura num material que não consigo distinguir, mas que julgo ser uma madeira exótica, proveniente do mais longínquo espaço extra-cidade, vazia. Algo falta ali ou, se calhar, a mim é que me falta algo para a conceber assim despida.

Mas o que realmente importa destacar nesta sala está junto a um canto, implantado de forma despropositada.

Um piano de longa cauda, negro como o espectáculo que há pouco vos descrevi lá fora, tocado de forma ininterrupta por uma semelhante, sentada com a maior austeridade, com os seus longos cabelos negros, concentrada no seu tocar e completamente indiferente à minha presença.

Mas, mais uma vez, não lhe consigo ver o rosto. Não interessa. Consigo reconhece-la. É a portadora do relógio que vi semimorta junto àquele rio numa das minhas anteriores viagens.

Quem será? Porque vive neste sítio? Mais, que sítio é este?

Por hoje estou exausto de emoções. Vou-me sentar aqui, a escutar as suas perpétuas melodias, sonhos voláteis.

Sinto um conforto quase ventral. Quase que regresso ao estado embrionário. Juro-vos, por estes olhos bem fechados, que prolongaria este momento até à eternidade.

Vou ficar aqui sentado...

Playlist:

Four Tet - Love Cry [There is Love in You, 2010 - Domino]
Einstürzende Neubauten - Fiat Lux- A) Fiat Lux B) Maifestspiele C) Hirnlego [Haus der Lüege, 1989 - Potomak]
Einstürzende Neubauten - Das Schaben (excerto) [Halber Mensch, 1985 - Potomak]
LaMote Young - Well Tunned Piano, Pt. 1 (excerto) [Well Tunned Piano 81 X 25, 1988 - Gramavision Records]

1 comentários:

tempus fugit à pressa disse...

inbisíbel é um factu

syfel bona fides