Programa N.º 10 [22/SET/2010]

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Capítulo 1: Do templo ao jardim

Conforme ficou prometido, parti rumo àquele jardim que vos falei.

A viagem não foi longa, mas sim particular.

Quando sai daquele templo, uma terrível ânsia em contradizer a minha vontade e dever tomou conta de mim.

Estou farto de caminhar em busca de algo e nunca o encontrar. Triste desígnio, cuja fatalidade do destino o encaminha sempre para o vazio.

Mas já é tarde para estes desvios no pensar. Foram muitos os tempos e sítios diferentes que me colocaram nesta senda de um vácuo futuro.

Mas porque me questiono eu em demasia? Até parece que voltar a dormir de olhos bem abertos me conduziu a algo maior.

O jardim já está perto, é para lá que me encaminho.



Capítulo 2: O jardim (sul)

Já estou muito próximo do jardim.

Mas, o que avisto ao longe, como era já expectável, são sombras de um passado de verdejantes fitomorfos.

Na Cidade Invisível um jardim nada mais é que um negativo de extintos espaços floridos, hoje apenas reconhecidos por se tratarem de vãos entre monumentais estruturas verticais, ladeados pelo desprezo humano.

O único de original que ali espero encontrar, é uma enorme pedra, cujo medo e estupidificação do Homem transformou em algo sagrado, adornada de mirabolantes e patéticas histórias, em tons de anjos e renascimentos da há já muito adormecida Providência.

O certo é que nem sei o que vim aqui fazer. Agora que cheguei, sinto o meu pensar questionar a minha vontade com o tom mais jocoso que possais imaginar.

Este era um local que visitava regularmente há muitos anos, ou talvez séculos, em ingénua idade, acompanhado por alguns semelhantes. Infindos dias aqueles.

Não vim aqui procurar a adormecida Providência, vim sim em busca de um local onde, em tempos, a minha parca existência se resumia à triste ideia de acreditar no amanhã.

Vou partir. Sem propósito. Vou deambular pelas rua da Cidade Invisível.



Capítulo 3: As rua da Cidade Invisível (parte 1)

Já há muito que não deambulava pelas ruas da Cidade Invisível.

Este negro frio, a velocidade a que se deslocam os transeuntes, as ruas e becos amontoados de abandono…

O devolutismo cresce como uma hera pelos edifícios, deixando os andares mais baixos entregues ao abandono ou, por vezes, entregues a tristes semelhantes, que nada mais têm que a ânsia do final do seu ciclo.

Não há vozes, não ha diálogos. Só se ouvem os ruídos do movimentar citadino.

Ao fundo, uma luz ténue transborda por um enorme vidro. Lá dentro, alguns semelhantes fazem companhia a um balcão, onde o álcool lhes assegura uma vida de olhos bem fechados.

Não quero entrar, vou continuar a minha caminhada.



Capítulo 4: As rua da Cidade Invisível (parte 2)

Já estou farto de caminhar.

Não há nada nesta cidade que revisitar. Caminho, caminho. Olho em volta e parece que estou sempre no mesmo local.

O ritmo a que a paisagem urbana me aparece diante dos olhos é quase perpétuo.

Parece que me encontro numa espiral de abandono e esquecimento, da qual, em virtude das monumentais construções, jamais conseguirei sair.

Não sei mais onde procurar a adormecida Providência.

É hora de regressar a casa.



Capítulo 5: As rua da Cidade Invisível (parte 3)

Paro diante do meu prédio.

Olho para cima e penso: porque regresso sempre a este sítio do qual parto em busca de um outro desígnio?

Foi aqui que me entreguei à triste realidade que é dormir de olhos bem abertos.

Certo é que hoje só revisitei locais que a minha memória guarda como longínquas paisagens desprovidas de qualquer negro e desilusão.

Tenho de repensar todo o meu desígnio, todos os passos dados neste flutuante vácuo.

Vou subir, regressar ao meu quarto.

Talvez me volte a deitar, não sei.

Cada vez mais, sinto que nada vale a pena na Cidade Invisível.



Playlist:

John Cale & Terry Riley - Church of Anthrax [Church of Anthrax, 1970]
Tony Conrad - Heterophony Of The Avenging Democrats (excerto) [Slapping Pythagoras, 1995]
Yahowa 13 - Journey Thru An Elemental Kingdom [Penetration: An Aquarian Symphony, 1974]
Ash Ra Temple - Darkness: Flowers Must Die [Schwingungen, 1972]
Eno Moebius Roedelius - Oil [After The Heat, 1978]
Glenn Branca - The Ascension (excerto) [The Ascension, 1981]

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