Programa N.º 8 [08/SET/2010]
Capítulo 1: O Regresso (parte 2)
Após aquele contacto com a prometida semelhante, aqui estou, no nada. Rumo ao coração daquela cidade da qual parti em busca de um outro desígnio que não este falsídico tormento do acreditar no amanhã.
Sinto-me perdido. Para vos falar verdade, não sei bem se é este o caminho de regresso. Aqui não há nascente nem poente. Aqui os ciclos já não existem. Rumo apenas seguindo um instinto que nada mais é que a vontade da movimentação.
Olho em volta e só vejo linhas do horizonte.
Não me interessa, sei bem qual o meu objectivo. Nem que sejam precisos vários séculos para o conseguir, mas hei-de regressar à Cidade Invisível.
Capítulo 2: O regresso (parte 3)
Sinto uma fresca brisa a trespassar-me a alma.
Este arrepio é-me de todo familiar. Só podem ser os negros ventos vindos da Cidade Invisível.
Ter-me-á a minha discursiva orientação encaminhado na direcção certa?
Agora que o penso, já nem me lembro da viagem até aqui. Só existe o branco vácuo residual no meu pensar e este monumental cansaço que se apodera das minhas pernas.
Não consigo precisar as horas, ou talvez séculos, que me levaram a percorrer esta senda do parco destino. Ou obrigação. Nem sei bem como lhe chamar.
Certo é que nem o forte brilho das longínquas mas sempre presentes companheiras estrelas me ilumina esta forte incerteza do que virá depois de chegar À Cidade Invisível.
Não é tempo para pensar nisso, o meu destino já está próximo.
Capítulo 3: O regresso à Cidade Invisível
O forte odor híbrido de óleo de motor e matéria orgânica putrefacta torna-se já demasiadamente presente.
O negro, os amontoados de betão e ferro retorcido. A total ausência do verde e da luz. A verticalidade em determínio do livre pensar.
Que nojo, que ódio. Como posso eu chamar a este sítio lar?
Como posso eu ansear tanto regressar aqui?
Mais, como posso eu ter como desígnio a entrega ao devolutismo moral de esta Cidade?
Não entendo como é aqui que me sinto bem. Afinal, sou mais um anónimo transeunte que se junta e se confunde com todo este triste espectáculo que é a básica essência da condição humana.
Estou de regresso à Cidade Invisível.
Capítulo 4: A Cidade Invisível
Mas, que estranha sensação. Acabei de dar o primeiro passo no coração da cidade e tudo parece ter mudado.
Um silêncio mudo tomou conta da cidade. Tudo parece fazer mais sentido.
Do mais leve pormenor à mais simples acção quotidiana são capazes de despertar em mim o mais delicado e delicioso fascínio.
A monumental verticalidade arquitectónica imposta pelo meu semelhante parece-me agora algo que transcende não só as impossibilidades físicas do Homem mas também algo metafísico.
A busca da elevação já não é a separação imposta pelo nojo ao semelhante, mas sim a procura de algo que nos escapa há demasiados milénios.
O ritmo a que a vida corre já não é rápido, mas sim impaciente.
Afinal, todos corremos em busca de algo que não queremos perder. Mesmo sem o sabendo ou nem sonhando no propósito.
A Cidade Invisível parece ter outro sentido. Parece-me mais simples e os anónimos transeuntes, esses... Nem sei. Talvez o medo seja mais forte que a vontade.
Acho que começo a entender o por quê daquela estranha semelhante me ter dito para regressar à Cidade Invisível.
Capítulo 5: O quarto
Aos poucos, começo-me a a readaptar a este espaço.
Estou junto ao meu quarto. Vou subir. Toda esta viagem deixou-me exausto.
Não sei bem para onde ir nem o que fazer.
Recordo as palavras daquela estranha semelhante, que me disse que respirávamos a violação do dever pelos poros. Que fosse ao encontro da adormecida Providência.
Nem sei bem o que pensar disto. Só posso concluir que é aqui o sítio onde resta o meu dever.
Sinto-me algo confuso. Vou subir até ao meu quarto e de lá, daquela pequena janela, contemplar os anónimos transeuntes.
Vou pensar o meu próximo passo.
Capítulo 6: A busca da Providência adormecida (parte 1)
A movimentação lá em baixo assume-se freneticamente delicada. Tomara eu imprimir aquele ritmo ao meu pensar.
Não sei onde procurar a adormecida Providência. Talvez se encontre no mais inexpectável lugar. Talvez onde a fluxo de anónimos transeuntes é maior.
Não sei. O certo é que jaz adormecida há demasiados milénios. Já nada faz sentido. Nada seria capaz de a fazer acordar e voltar a enojar os meus semelhantes com promessas de um futuro vacuamente flutuante.
Já sei. Vou até ao epicentro destes movimentos pendulares. Ao local onde todos passam e ninguém para. Ao local, onde em tempos idos, aquele amontoado de pedras se dignava a ser o templo da Cidade Invisível.
Capítulo 7: A busca da Providência adormecida (parte 2)
Como seria de esperar, o templo encontra-se fechado e completamente abandonado.
Do seu telhado, negros fios de lodo escorrem em direcção ao chão. As janelas estão todas estilhaçadas.
É um edifício deitado ao abandono, embora não esteja em ruína.
Não sei como fazer para entrar. As janelas erguem-se a vários metros do meu alcance. A porta, essa, parece ser inexpugnável.
Alguém deve ter acesso ao edifício. Não sei é a quem perguntar.
Agora que reparo, a fechadura da porta parece ter sido utilizada recentemente.
Talvez alguém ainda venha cá. Vou esperar.
Neste momento, nada mais tenho para fazer ou expectar.
Só o encontro com o meu objectivo faz sentido.
Nem que o virar dos dias me torne pó, vou ficar aqui sentado à espera que esta porta seja aberta.
Playlist:
Deep Space Network - Doors of Perception [Big Rooms, 1993]
Lexaunculp - Has Been Trying not to Wonder [The Blurring of Trees, 2003]
Techno Animal - Hypertension [The Brotherhood of the Bomb, 2001]
Harold Budd & Brian Eno - Late October [The Pearl, 1980]
Gescom - Sciew Spoc [Gescom EP, 1994]
Soul Oddity - Cruxx [Tone Capsule, 1996]
Phoenecia - Melfad [Brownout, 2001]
Jega - Geometry [Geometry, 2000]
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