Programa N.º 9 [15/SET/2010]

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Capítulo 1: O Templo

Conforme ficou prometido, ainda aqui estou, sentado em frente a este smi-devoluto edifício.

Nem o negro e solitário frio do passar das horas nesta Cidade me fez abandonar esta praça central, onde a eterna pendular movimentação de transeuntes, cuja imobilidade lhes faria pensar no que fazer, é de tal modo frenética que seria capaz de cansar o mais ávido dos atletas.


O certo é que ainda ninguém abriu a porta, nem se escutou o mais pequeno ruído do interior, a não ser um quase perpétuo gotear, que ressoa em toda a sala, dando origem a um solitária e longínqua paisagem.

Vou continuar à espera que alguém me abra esta porta.

Vou continuar no coração da Cidade Invisível.



Capítulo 2: A porta do templo

Parece que escuto passos no interior.

Alguém caminha de forma sincopada com o gotear que lá dentro também de faz ouvir.

Mas são só passos. Não escuto qualquer voz. Caminha longe. Passos delicados.

Para e volta a caminhar, de forma não ritmada. Como que se estivesse a cuidar de algo.

O ferrolho desta porta é tão pequeno que apenas consigo ver claridade e através dele, um ar fresco, arrepia-me a retina.

Vou bater à porta!

Nada! Ninguém me responde. Mas, desta vez, oiço passos em direcção à porta.

Um ruído fez-se ouvir do outro lado. Como que se a porta tivesse sido destrancada.

Confirma-se. A porta foi mesmo aberta.

Vou entrar e já vos conto o que há dentro deste edifício.



Capítulo 3: Dentro do templo

Já estou dentro do templo.

O espaço encontra-se completamente abandonado. Os bancos desfeitos, desorganizados. Há vidros partidos por todo o lado.

Poças de água, correntes de ar. O espaço está frescamente entregue ao devolutismo.

O chão e paredes, em claros tons de cinzento, por estranho que pareça, não apresentam quaisquer vestígios de pegadas.

O telhado, esse, há já muito tempo que deixa entrar água e toda a espécie de porcaria que flutua pelo triste éter da Cidade Invisível.

Mais ao fundo, existe uma porta, smi-aberta. Com certeza dá acesso a outra sala mais pequena.

Junto a essa porta, existem alguns verdes fitomórfos, cuidadosamente tratados.

Vou entrar, talvez lá encontre a pessoa que me deixou visitar o interior de este edifício.



Capítulo 4: A sala do templo

Já há algum tempo que estou dentro da divisão que vos falei.

Ao contrário da ala principal do templo, esta pequena sala é escura. O ar é pesado. Apenas um vela ilumina o espaço. Também não seria necessário nada mais forte, dada a sua exiguidade.

Pequenos utensílios estão espalhados por uma mesa, bem como alguns livros.

Uma cama, de estrutura em ferro, completa o mobiliário deste modeste espaço.

Vê-se que nela dorme regularmente alguém.

É um espaço onde a simplicidade e a austeridade se impõe.

Quem habitará este espaço? E porque se respira semelhante nauseabundo cheiro cá dentro?

Será este o sítio onde jaz adormecida a Providência? Não pode ser. Triste paródia se assim o fosse.

Agora que reparo melhor, sobre a mesa está um papel com algo escrito, com uma caligrafia muito hesitante.

Podem-se ler as seguintes palavras: Aqui já nada existe. A ânsia pelo que bem sabemos que não existe já não faz sentido. A Providência jaz onde, em tempos idos, foi acordada.

Esse local só pode ser junto de um jardim no Sul da Cidade, onde existe uma pedra, que com o passar dos milénios se foi associando ao local onde a adormecida Providência renasceu e nos condenou ao eterno terror de viver acordados de olhos bem fechados.

É para lá que vou.

É o meu novo destino n’A Cidade Invisível.


Playlist:

Harmonia - Walky-Talky [Deluxe, 1975]
Hans-Joachim Roedelius - Durch Die Wüste [Durch die Wüste, 1978]
Cluster & Eno - One [Cluster & Eno, 1977]
Manuel Gottsching - Quiet Nervousness [E2-E4, 1984]
Kraftwerk - Autobahn (excerto) [Autobahn, 1974]
La Düsseldorf - Rheinita [Viva, 1978]

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